O Senhor Jesus Cristo e a Lei de Deus

Dr. Kenneth L. Gentry, Jr.
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto1
O personagem central da profecia e do evangelho é o Senhor Jesus
Cristo. Há vários aspectos nos quais podemos ver que Ele pretendeu que Seu
povo do novo pacto guardasse a Lei de Deus. De forma alguma minou a
validade da Lei quando veio ao mundo. Na verdade, Ele a confirmou.

CRISTO AFIRMOU EXPRESSAMENTE A LEI
Essa verdade é claramente ensinada em Mateus 5:16-20 (RA).
[16] Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para
que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que
está nos céus. [17] Não penseis que vim revogar a Lei ou os
Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. [18] Porque
em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i
ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra. [19]
Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos
menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo
no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse
será considerado grande no reino dos céus. [20] Porque vos digo
que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e
fariseus, jamais entrareis no reino dos céus.
Nas páginas seguintes, apresentarei um comentário breve e contínuo
sobre pontos da passagem acima de importância exegética para a posição
teonômica.2 O leitor é instado a manter sua Bíblia aberta na passagem para
fazer consultas à medida que essas considerações exegéticas forem fornecidas.
Imediatamente após urgir Seus ouvintes a obras que glorifiquem a
Deus, Cristo diz: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas” (v. 17).


Ele começa definindo o caráter daquelas obras em termos de Lei de Deus. A
frase “não penseis” é um verbo aoristo ingressivo que significa, “não
comecem a pensar”. Cristo não queria que o pensamento que Ele estava para
mencionar sequer passasse pela mente dos Seus ouvintes. Ele não queria ser
mal-entendido à medida que corrige as distorções e abusos da Lei que
encontra durante o Seu ministério.
Quando diz, “não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas” (v. 17),
ele usa uma palavra grega que significa “desmantelar, ab-rogar, descartar
completamente”. Ao invés de permitir que Seus ouvintes sequer comecem a
pensar isso, Ele diz: “não vim ab-rogar, mas cumprir” (v. 17, RC).3 A
conjunção “mas” aqui é a adversativa forte (grego: alla).4 Ela fornece um
contraste vigoroso, como em Mateus 10:34, que faz paralelo exato a Mateus
5:17 em forma e estrutura. Lemos em Mateus 10:34: “Não penseis que vim
trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada”. Observe o forte contraste
entre “paz” e “espada”. Da mesma forma, em Mateus 5:17 Jesus contrasta
destruir a Lei com cumpri-la; as idéias são justapostas como opostos.
A palavra “cumprir” (v. 17), que o Senhor usa aqui, não pode implicar
“viver e completá-la, de forma que se dá um fim a ela”, ou algo similar. Visto
que a palavra é contrastada com “revogar”, seria errado interpretá-la como
“cumprir e acabar com ela”. A ab-rogação da Lei é a própria coisa que Cristo
nega: “Cumprir” aqui pode significar uma de duas coisas.
(1) Pode significar “confirmar, estabelecer”. Romanos 3:31 (que usa um
verbo diferente) diz: “Anulamos, pois, a lei pela fé? Não, de maneira
nenhuma! Antes, confirmamos a lei”. Confirmação da Lei é certamente um
conceito do Novo Testamento, de acordo com Paulo. (2) Ou pode significar
“encher até a medida completa”. Isso indicaria restaurá-la ao seu verdadeiro
significado, em oposição às distorções farisaicas.
Mateus 5:20 no contexto aqui sugere fortemente a última interpretação
(embora não exclua a primeira – na verdade, implica a mesma): “Porque vos
digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus,
jamais entrareis no reino dos céus” (cp. Mt. 15:3-9; 23:23). Os escribas e
fariseus tinham redefinido a Lei de tal forma, em termos do seu próprio
sistema de pensamento, que haviam quase esvaziado-a do seu verdadeiro
significado. Cristo veio para restaurar a Lei à sua intenção original e divina.
A palavra “porque” (v. 18) introduz uma explicação do versículo 17. O
que segue a palavra dá justificação ao que precede.
Quando Cristo diz “em verdade” (v. 18), Ele enfatiza a importância da
declaração seguinte. O Senhor freqüentemente usa essa palavra para atrair a
atenção dos Seus ouvintes a uma observação importante que Ele está a ponto
de fazer. Essa observação segue: “Porque em verdade vos digo: até que o céu
e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se
cumpra” (Mt. 5:18). A referência “o céu e a terra” (v. 18) indica uma
comparação entre a estabilidade da Lei e aquela do mundo (cp. Eclesiastes
1:4). A Lei não pode ser anulada até que o céu e a terra passem (e mesmo
então “até” aqui não requer que ela passará naquele tempo).
A frase “um jota ou um til” (v. 18, RC) faz referência à menor letra
hebraica (o yoadh, ou “jota”) e ao sinal ornamental sobre as letras (“til”). Cristo
está preocupado em mostrar que a Lei de Deus é em sua totalidade protegida
pela autoridade de Deus. Sua repetição de “um” antes de “jota”, bem como
antes de “til” (v. 18), é importante. No pensamento hebraico, a repetição é
comumente usada para fortalecer a ênfase.
“Até que tudo se cumpra” (v. 18) pode ser literalmente traduzido: “Até
que todas as coisas sejam realizadas”. Assim, essa declaração faz paralelo a
“até que o céu e a terra passem”. Em outras palavras, nem a menor letra ou
sinal da lei passará antes da história terminar.5
Ele então retorna e reforça o que acabou de declarar: “Aquele, pois, que
violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos
homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os
observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus”.
“Menores” (v. 19) repete a ênfase dos aspectos pequenos da Lei, para mostrar
sua significância obrigatória. Se as menores coisas são tão importantes, quais
mais os aspectos maiores da Lei?
Aquele que vai contra o Seu ensino nesse respeito é considerado
“mínimo no reino dos céus” (v. 19). Isso fala do status da pessoa no reino que
Cristo estabeleceu sobre a Terra.6 Envolve a era pós-Antigo Testamento e
pós-João o Batista (Marcos 11:13ss.; Lucas 16:16ss.), com a qual tantas
parábolas suas lidam (e.g., Mt. 13).
Seguindo essa forte declaração da validade da Lei, Cristo repreende as
distorções dos escribas da Lei por sua aderência à interpretação oral, e não
porque prestavam uma obediência fiel à lei escrita (Mt. 5:21ss.) Observe duas
coisas: (1) Os contrastes traçados são entre o que “está escrito” e o que “foi
dito aos antigos” (pelos rabinos). Quando o Senhor refere-se à Lei de Deus
em seu verdadeiro sentido, sem distorções, Ele sempre diz: “Está escrito”
(e.g., Mt. 4:4, 6, 7, 10). (2) Ele tinha acabado de fazer uma forte declaração
quanto à validade contínua da Lei. Consistência requereria que Mateus 5:21ss.
não permite um entendimento do Seu ensino.

CRISTO ENSINOU ENFATICAMENTE A RELEVÂNCIA DA LEI
O Senhor repreende os fariseus, por exemplo, não por eles guardarem a
obrigação pequena (dízimo) da Lei, mas por fazerem isso enquanto ignorando os
preceitos mais importantes da Lei. “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas,
porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes
negligenciado os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e
a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas!” (Mt. 23:23). Por
meio de suas tradições, eles invalidavam a Lei de Deus (Marcos 7:1-13).
Jesus ensina que a Lei é a Regra de Ouro do serviço a Deus e aos
homens. “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o
vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas” (Mt. 7:12).
Ele ensina que o amor é definido pela lei. O judeu intérprete da lei lhe
perguntou:
“Mestre, qual é o grande mandamento na Lei?” Respondeu-lhe
Jesus: “‘Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de
toda a tua alma e de todo o teu entendimento.’ Este é o grande e
primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: ‘Amarás
o teu próximo como a ti mesmo.’ Destes dois mandamentos
dependem toda a Lei e os Profetas.” (Mt. 22:36-40)
Amor não é sentimento ou ação indescritível. É ação obediente
definida pelas restrições da Lei ordenada por Deus.
 

CRISTO ENDOSSOU A FUNÇÃO CIVIL DA LEI
Mesmo uma das leis mais comumente mal-entendida e mal-usada hoje
contra a visão teonômica é endossada por Cristo. Essa é a lei que exige pena
de morte para crimes incorrigíveis. Mesmo os pais de uma pessoa perigosa
devem entregá-lo para as autoridades civis, para que receba a pena de morte.
Ele, porém, respondendo, disse-lhes: “Por que transgredis vós,
também, o mandamento de Deus pela vossa tradição? Porque
Deus ordenou, dizendo: ‘Honra a teu pai e a tua mãe’; e: ‘Quem
maldisser ao pai ou à mãe, certamente morrerá’. Mas vós dizeis:
‘Qualquer que disser ao pai ou à mãe: “É oferta ao Senhor o que
poderias aproveitar de mim;” esse não precisa honrar nem a seu
pai nem a sua mãe’, e assim invalidastes, pela vossa tradição, o
mandamento de Deus.” (Mt. 15:3-6, ACF)7
Cristo censura os fariseus por esquivarem-se dessa lei. (Lembre de Sua
advertência em Mt. 5:19-20! Nossa justiça deve exceder aquela dos escribas e
fariseus.)
Essa lei tem a ver com um filho velho o suficiente para ser uma ameaça
à comunidade por meio da atividade criminal. Ele é descrito de maneira
diversa como comilão e beberrão, um filho contumaz e rebelde que não ouve
ou obedece aos seus pais (Dt. 21:18-20) e é uma ameaça física para eles (Ex.
21:15). Esse não é um garoto de 10 anos que recusa ir para o banheiro. O
filho em questão se tornou um inimigo e uma maldição para os seus pais.
Seja o que possamos pensar inicialmente dessa lei, devemos lembrar
que ela foi ordenada pelo Senhor Deus. Isso deveria evitar a zombaria dos
cristãos para com a mesma, fazendo-os parar a fim de considerar sua
verdadeira importância.
 

CRISTO GUARDOU PERFEITAMENTE A LEI
A Escritura ensina que Jesus veio para guardar a lei. “Então, eu disse:
eis aqui estou, no rolo do livro está escrito a meu respeito; agrada-me fazer a
tua vontade, ó Deus meu; dentro do meu coração, está a tua lei” (Sl. 40:7-8).
De fato, Ele nasceu sob a Lei (Gl. 4:4). Assim, Ele guardou a Lei em detalhe
na Sua vida pessoal (Mt. 8:4; 17:24; Marcos 11:16-17).
Por causa da natureza do pecado como transgressão da Lei,8 Cristo não
tinha pecado porque guardou a Lei completamente. Assim, ele pôde dizer:
“Quem dentre vós me convence de pecado?” (João 8:46; cp. 1 João 3:4; João
15:10). Esse sendo o caso, Ele é o nosso perfeito exemplo de guardar a Lei.
Aquele que diz: Eu o conheço e não guarda os seus
mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade. Aquele,
entretanto, que guarda a sua palavra, nele, verdadeiramente, tem
sido aperfeiçoado o amor de Deus. Nisto sabemos que estamos
nele: aquele que diz que permanece nele, esse deve também
andar assim como ele andou. (1 João 2:4-6)
Seguir a Cristo e guardar os Seus mandamentos são sinônimos, de
acordo com João.
 

CRISTO NOS SALVOU EM TERMOS DA LEI
O Senhor morreu em termos da Lei por nós. Ele veio “para resgatar os
que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl. 4:5;
cp. Cl. 2:14; Hb. 9:22). De fato, Sua morte enfatizou eternamente a
necessidade e a validade da Lei. A Lei não poderia ser posta de lado, nem
mesmo para poupar a Cristo. “Aquele que não poupou o seu próprio Filho,
antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com
ele todas as coisas?” (Rm. 8:32; cp. Hb. 9:22-26). A fé, então, confirma a
validade da Lei (Rm. 3:31). Se a Lei não poderia ser desprezada nem mesmo
para poupar ao Filho de Deus, como podemos supor que ela será posta de
lado para a era do Novo Pacto? Ela é o padrão da justiça de Deus, sendo que
a sua infração traz condenação. A Cruz é um testemunho eterno à justiça e
contínua validade da Lei de Deus.
 

Fonte: God’s Law in the Modern World, p. 23-31.

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